tudo sobre minha mãe

Marina Morgan
4 min readMar 8, 2023

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8 de março de 2023. Mais um ano “comemorando” o dia da mulher. Uso aspas pois já não celebro esse dia há muito tempo. Aliás, acho que na verdade nunca celebrei. Já recebi flores e chocolates no trabalho, é claro, e também já devo ter feito alguma apresentação na escola por esse motivo. Mas celebrar, mesmo, não.

E não celebro não por amargura ou por não gostar de ser mulher. Eu gosto, e muito. Porém os dissabores são tantos que é difícil comemorar, sabe? Quando penso como a vida da mulher tem sido desde que o mundo é mundo me dá vontade de responder os “parabéns” pelo “nosso dia” com uma resposta curta e malcriada. Essa vontade vem da observação constante não só da minha vida mas da vida daquelas ao meu redor.

Começo, obviamente, pela minha mãe. A mais velha de nove irmãos, cuidou dos mais novos por muito tempo, para ajudar minha avó. Só pôde ir para a faculdade depois que um dos irmãos mais novos foi também. Na faculdade, ainda com 23 anos, engravidou. E teve que se casar, claro. Meu avô não foi no casamento e também não deixou minha avó ir. O motivo? Não sei ao certo, é um assunto tabu na minha família. Mas suponho que seja porque uma filha solteira e grávida não seja algo muito digno de um capitão do exército.

Casou, e largou a faculdade. Quando tentou voltar, foi assediada por um “homem de (ou da?) família”. Largou de novo, foi cuidar do filho. Depois dele, vieram mais dois. Cuidou deles também. Mas tentou voltar à faculdade mais uma vez. Minha mãe não é uma pessoa que desiste assim. Mas quem disse que vida de mulher é fácil? Estudando em uma cidade, morando em outra, três filhos na beirada da saia e ainda tendo que trabalhar. É difícil dar conta, e ela teve que recuar mais uma vez. Seguiu trabalhando. E cuidando da casa. E do marido. E dos filhos.

Dessa vez foi um pouco mais difícil. Abandonar o sonho mais uma vez custou caro pra ela. Se em situações normais de temperatura e pressão as mulheres não conseguem se manter mentalmente bem, imagina em situações assim? Foram precisos alguns anos de terapia. Mas o tempo passa, a garra não. Ela voltou a estudar.

E dessa vez deu certo, o curso era à noite. Lembro dela estudando na hora do almoço, às vezes nos fins de semana. Enquanto trabalhava. E cuidava da casa. E do marido. E dos filhos. Minha mãe se desdobrou em várias nessa época. Perdi as contas de quantas vezes eu e meu irmão fomos pra aula com ela. Pra aula, pras confraternizações da turma, pra todo lado. Ela se formou, aos 50 anos. Ela alcançou, finalmente, o grau necessário pra trabalhar naquela profissão que tinha escolhido há tantos anos. Teve missa, teve colação de grau e teve baile, mas no baile ela não foi. Meu pai não quis ir. O motivo, assim como aquele que fez com que meu avô não viesse no casamento dela, acho que nunca vou saber. (Espero que a ironia seja entendida).

Minha mãe se graudou e se pós-graduou, e continuou trabalhando na gerência do empreendimento. Alguém precisa fazer isso, e ela é boa no que faz. Talvez seja por ter passado a vida inteira gerenciando tudo. A casa, a vida, o marido, os filhos.

E não só eles, pra ser sincera. Ela cuida dos pais, que moram a mais de 900km de nossa casa e pelo menos dois irmãos (homens, naturalmente). E também dos cunhados, da sogra, do neto. Dos filhos (homens, naturalmente), não é preciso nem falar nada. E ela cuida de mim também. Talvez por eu ser mulher também, eu tento ao máximo deixá-la o mais despreocupada possível, mesmo que às vezes meus esforços sejam em vão.

E apesar de tudo isso, apesar de todas as intempéries da vida dela, que é reflexo da vida de quase todas as mulheres da nossa sociedade, a minha mãe é uma mulher incrível. Ela não abaixou a cabeça, ela não sucumbiu: fez o que tinha que ser feito quando as coisas aconteceram, criou três filhos, cuidou do trabalho, da casa, do marido, da família. Passou por altos e baixos, mas não perdeu a ternura e nem o amor.

Minha mãe é a pessoa mais bonita que eu conheço. Por dentro, no coração, e por fora, nos olhos gentis. Eu a admiro imensamente e tenho um orgulho absurdo de falar que sou filha da Suely. Uma mulher inteligente, justa, empática, divertida.

Me deixa triste pensar que talvez ela não veja a história dela como eu vejo, como uma vitória contra tudo aquilo que veio contra ela. Uma história bonita e inspiradora. De uma mulher forte e batalhadora (apesar de eu odiar esses adjetivos, que poderiam facilmente ser trocados por “explorada”), que fez das tripas coração para que mundo fosse um lugar melhor.

E nesse 8 de março, data em que no geral não tenho nada o que comemorar, eu celebro minha mãe. Ela merece parabéns, não por ser mulher, mas por ter sobrevivido como uma, num mundo que é cruel com todas nós.

Se o mundo mudou ou vai mudar, eu não sei. Mas tudo o que eu sou veio dela. Espero que ela goste.

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