a centenária pedra que risca vermelho

Marina Morgan
3 min readSep 8, 2023

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Alguns anos vivi em Itabirito
Principalmente nasci em Itabirito

Tomo e modifico os versos de Drummond, com toda a liberdade que não me foi dada mas que acredito possuir pois, afinal de contas, sempre que digo de onde eu sou, me respondem um “que legal, é a terra do Drummond, né?”. É preciso desmentir e durante muito tempo respondi que “infelizmente não”.

Respondia assim não sei por qual motivo, mas hoje entendo que é porque penso que se ao invés de itabirano o poeta fosse itabiritense, talvez ele seria mais feliz. Assim como eu sou, por ter na certidão de nascimento o nome de Itabirito.

Lembro de uma conversa, ainda adolescente, em que eu e meus amigos em um determinado momento nos perguntamos: vocês já repararam que todo itabiritense sabe cantar o hino da cidade? E o pior é que é verdade. Quem nunca se viu entoando o famigerado refrão, que atire a primeira pedra (contando que ela risque vermelho!).

Aprendemos o hino na escola e o cantamos aos sete ventos, muitas vezes em tom de brincadeira, mas também com uma pontada de orgulho. Afinal, por menos que a gente saiba, Itabirito é uma coisa que faz parte de quem teve a sorte de nascer por lá.

Eu mesma só fui entender isso quando já tinha ido embora da cidade encanto. Percebi (ou me contaram?) que em toda conversa lá estava eu: “não, mas porque lá em Itabirito”, “gente, eu sou de Itabirito, né”, “ah, mas Itabirito isso, isso e aquilo”. Quando contava da minha vida, Itabirito estava sempre ali como plano de fundo. Da Itaburaco que eu acreditava viver na adolescência, entendi que a cidade encanto é realmente uma jóia cravada no peito dessa terra que é Minas Gerais. Vocês não imaginam como é encontrar um outro itabiritense nas esquinas dessa mundo.

Levo Itabirito comigo nas experiências que vivi tendo crescido no interior. Nos ensaios do coral, nas aulas de forró da ONG, na escola que estudei do maternal ao terceiro ano. Na adolescência que passei indo sempre nos mesmos lugares: o Ita, o Quincas, a Confra. Nos sítios dos amigos, pois diferentemente da capital em Itabirito não tinha boate, mas a vida noturna era agitada. Quantas Julifests, quantos carnavais atrás dos trios elétricos na Avenida Queiroz Júnior, quantos domingos conversando fiado na praça da estação!

Cresci comendo muito pastel de angu e umbigo de banana, indo pra São Gonçalo, pro Acuruí, pro Cristo, andando de biclicleta pelas ruas até as cachoeiras e caminhando a pé pra tudo em quanto é canto. Comprando queijo na Mercearia Paraopeba, assistindo missa na Boa Viagem e indo embora pra casa pela ponte da açucena. Morrendo de medo de abrirem as comportas da hidrelétrica de Congonhas e ter enchente no centro da cidade. Eu aprendi a ler em Itabirito.

Fiz catecismo, pré-debut, debut. Não crismei pois o bispo morreu quando era a minha vez, mas participei de todos os movimentos jovens que pude, porque isso Itabirito tem de sobra. Tem dois grandes corais, tem companhia de teatro, tem casa de cultura, tem festa de bairro, tem tudo que uma cidade pequena tem, só que melhor. Porque é Itabirito.

Por ser itabiritense, cultivo até hoje amizades que fiz aos três anos de idade. Sei quem é filho de quem e lá eu sou a Marina “filha do Ivan e da Suely do laboratório, neta de Sô Jorge Morgan”. Como todo bom mineiro, carrego com honra minhas origens e encho a boca pra falar que Itabirito teve o primeiro alto forno da América Latina, mesmo não sabendo pra que serve um alto forno. E que é também a terra do Telê Santana (mas isso nem falo muito porque diferentemente de mim ele não carrega o orgulho que deveria).

Dos 100 anos de Itabirito e dos meus 33 anos de vida, 18 vivi em Itabirito. Principalmente nasci em Itabirito. Mas Itabirito nunca será apenas uma fotografia na parede, pois vive em mim.

Meu namorado fala que nascer em Itabirito me fez uma pessoa diferente, melhor. Não nego nem confirmo, mas tendo a acreditar.

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